quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Sobre o ódio

Chutar a quina da mesa ( duas vezes, mesmo dedo), horas no trânsito sem perspectiva alguma de movimento.
Lembrar quietinha de tormentos antigos, carrancas persistentes na memória.
Ver algo extremamente errado se repetir por mil vezes à minha frente.
Ofender com uma piada.
Ignorar um pedido de ajuda.
Saber que há algo injusto no que deu errado com meus planos.
Saber que há algo justo no que deu errado com meus planos...

Sinto-me salobra. Mais salgada que a água de rio, mais doce que água de mar.
Tanto ódio nas minhas palavras, gestos, desejos, dores.
Ódio com destino certo e errático.
Ódio-oco, oroborus.

Mesmo toda desejosa de Ser amor, transbordo paradoxos odiosos.

Quisera
Ser amor ao tocar uma mulher que gesta, uma criança que nasce.
Ainda mais amor ao tomar um ônibus para o trabalho e deixar parado o carro.
Ser amor ao responder com afeto a quem não julgo necessário.
Ser amor, ao dizer que não aprecio algo.
Não dizer mais: "Eu odeio tal coisa, música, lugar, comida..."
Preencher-me de amor próprio.

Calar o buraco da alma com mil formas de amor.
Deixar que o amor cresça como uma erva trepadeira,
como coral num recife.
Ser assim tanto afeto, tanta devoção,
que me julguem louca,
embotada.
Que não me queiram.
Que não me amem,
até que me odeiem.

Amar o calor excessivo e o frio cortante,
a solidão e a longa cantoria.
Amar o Predileto até que eu não seja necessária,
que ele não seja necessário.
Até que eu cumpra
todas as horas terrestres.


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